segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Poema-Orelha de Carlos Drummond de Andrade



Esta é a orelha do livro

por onde o poeta escuta

se dele falam mal

ou se o amam.

Uma orelha ou uma boca

sequiosa de palavras?

São oito livros velhos

e mais um livro novo

de um poeta ainda mais velho

que a vida que viveu

e contudo o provoca

a viver sempre e nunca.

Oito livros que o tempo

empurrou para longe

de mim

mais um livro sem tempo

em que o poeta se contempla

e se diz boa-tarde

(ensaio de boa-noite,

variante de bom-dia,

que tudo é o vasto dia

em seus compartimentos

nem sempre respiráveis

e todos habitados

enfim.)

Não me leias se buscas

flamante novidade

ou sopro de Camões.

Aquilo que revelo

e o mais que segue oculto

em vítreos alçapões

são notícias humanas,

simples estar-no-mundo,

e brincos de palavra,

um não-estar-estando,

mas de tal jeito urdidos

o jogo e a confissão

que nem distingo eu mesmo

o vivido e o inventado.

Tudo vivido? nada.

Nada vivido? Tudo.

A orelha pouco explica

de cuidados terrenos;

e a poesia mais rica

é um sinal de menos.


Um comentário:

Daniel Hiver disse...

Hoje de manhã li esse poema no livro "A Palavra Mágica". Achei de uma sutileza e de uma inteligência óbvia. Coisa de Drumonnd.
Daniel Hiver