terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Quem nunca sentiu saudades de alguém?
Esse belíssimo texto de Miguel Falabella exprime maravilhosamente esse sentimento.

SAUDADE

“Em alguma outra vida, devemos ter feito algo de muito grave para sentirmos tanta saudade."
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é a saudade. Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade.


Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa. Doem essas saudades todas. Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida.

Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã. Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é basicamente não saber. Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio. Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia. Não saber se ela ainda usa aquela saia. Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada, se ele tem assistido as aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua preferindo Malzebier, se ela continua preferindo suco, se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados, se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor, se ele continua cantando tão bem, se ela continua detestando o McDonald's, se ele continua amando, se ela continua a chorar até nas comédias.

Saudade é não saber mesmo! Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer. É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso... É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer. Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler...

Miguel Falabella

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Hoje acordei com saudades do meu filho... E aí lembrei-me de um livro que ganhei no dia de seu nascimento - que continha um poema do escritor Khalil Gibran, Os Filhos. Procurei fazer com que as palavras contidas nesse poema guiassem a minha relação com ele.
Hoje ele está com 23 anos e acho que consegui fazer o melhor possível!


Os Filhos (Do Livro "O Profeta")

Uma mulher que carregava o filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos."
E ele falou:

Vossos filhos não são vossos filhos.

São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.

E embora vivam convosco, não vos pertencem.

Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.

Gibran Khalil Gibran, poeta, pintor e filósofo libanês, nasceu na cidade de Becharré, ao norte do Líbano, não muito longe da sagrada floresta dos cedros milenares. Emigrou para Nova York em 1895 e, em companhia de sua mãe, seu irmão e suas duas irmãs e lá faleceu no dia 10 de abril de 1931.

Gibran, cuja obra é abundante e traduzida também em português, tornou-se conhecido pelo seu célebre livro “O Profeta”, escrito em inglês e traduzido em 40 idiomas. Esta obra prima é, antes de tudo, um livro de moral, muito útil em nossos tempos. Segundo Gibran, a mensagem das religiões perdeu sua força por causa do comportamento das igrejas, a ideologia política mostrou suas falhas e o materialismo ateu revelou-se carente de valores espirituais. O livro “O Profeta” reflete o pensamento do autor, suas esperanças, sua filosofia sobre o casamento, os filhos, as leis, a morte, etc, assim como outros assuntos que podem ser resumidos pelo poder curador do amor universal e da unidade do ser.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Poema-Orelha de Carlos Drummond de Andrade



Esta é a orelha do livro

por onde o poeta escuta

se dele falam mal

ou se o amam.

Uma orelha ou uma boca

sequiosa de palavras?

São oito livros velhos

e mais um livro novo

de um poeta ainda mais velho

que a vida que viveu

e contudo o provoca

a viver sempre e nunca.

Oito livros que o tempo

empurrou para longe

de mim

mais um livro sem tempo

em que o poeta se contempla

e se diz boa-tarde

(ensaio de boa-noite,

variante de bom-dia,

que tudo é o vasto dia

em seus compartimentos

nem sempre respiráveis

e todos habitados

enfim.)

Não me leias se buscas

flamante novidade

ou sopro de Camões.

Aquilo que revelo

e o mais que segue oculto

em vítreos alçapões

são notícias humanas,

simples estar-no-mundo,

e brincos de palavra,

um não-estar-estando,

mas de tal jeito urdidos

o jogo e a confissão

que nem distingo eu mesmo

o vivido e o inventado.

Tudo vivido? nada.

Nada vivido? Tudo.

A orelha pouco explica

de cuidados terrenos;

e a poesia mais rica

é um sinal de menos.